quinta-feira, 15 de março de 2018

Grande Guerra: O “raid” de 9 de março de 1918

Há já três anos que eu e a Libânia nos envolvemos no projeto de descobrir e honrar os nossos combatentes na Grande Guerra. Pensávamos que pouco passariam de uma dúzia, mas descobrimos muitas dezenas.
Entretanto, deixei a Libânia no terreno, onde se move como peixe na água, e abracei um outro projeto de nível regional, muito mais modesto, que será uma espécie de introdução à investigação da Libânia.
Aguardamos apoio para a sua publicação, no âmbito do centenário do fim da I Guerra Mundial.
O artigo que abaixo se apresenta é uma amostra do nosso trabalho que foi publicado no jornal Reconquista da semana passada. Nele a Libânia homenageia os combatentes beirões, e os sanvicentinos em particular, que participaram num dos feitos mais heróicos da nossa intervenção na Flandres (nordeste da França e Bélgica).
Desfrutem!

As tropas portuguesas tinham partido para França, no início de 1917, após um período de treino intensivo a que chamaram “O Milagre de Tancos”. Mas, longe de constituir um milagre, a instrução recebida em Tancos não foi suficiente nem adequada para o que as esperava. A isto juntava-se a fraca motivação para participar num conflito do qual não percebiam as razões nem as vantagens.
Mesmo assim, lá partiram de Alcântara logo que houve navios disponíveis para as levar até Brest. E de Brest foram metidas em comboios para a Flandres, onde, perto da região pantanosa do rio Lys, ficaram acantonadas. 
Os primeiros meses foram passados a receber mais instrução, pelo que só em meados de 1917 se confrontaram de perto com os ataques inimigos que, à medida que o tempo ia passando, iam aumentando em número e em força.
Em sentido inverso, ia evoluindo o ânimo dos nossos homens, consequência, sobretudo, das expetativas, nunca concretizadas, do fim da guerra ou da obtenção de licenças para gozarem em Portugal. A perceção inicial de muitos, de que tinham sido vendidos aos aliados, era reforçada pela sensação de abandono em que se encontravam. Perante esta realidade, percebeu-se que era urgente tomar medidas que elevassem o moral das nossas tropas. Este foi um dos objetivos da operação realizada no dia 9 de março de 1918, que ficou conhecida como O "Raid" de 9 de Março.
O ataque começou a ser preparado com a antecedência necessária pelos oficiais responsáveis e que nele participaram: Tenentes Henrique Augusto e Luís de Sousa Gonzaga, Alferes Victorino Rodrigues Corvo e Alípio Cruz de Oliveira e Capitão António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho.
Assim, no dia 9 de março, pelas 4 horas da madrugada, estava tudo a postos para o início da operação que começou com um forte ataque de artilharia na direção das tropas inimigas. Ao fim de quase uma hora de fogo, foi a vez das tropas de infantaria saltarem das suas trincheiras e avançarem sobre as trincheiras adversárias; em silêncio, mas decididas.
Apesar da surpresa desta “visita” tão inesperada, os alemães ainda ripostaram com tiros de metralhadora e granadas de mão, o que, por momentos, fez hesitar as nossas praças; mas, à voz de comando e seguindo o exemplo dos seus superiores, precipitaram-se sobre as trincheiras inimigas. Muitos alemães refugiaram-se dentro de abrigos, alguns dos quais foram destruídos; outros começaram a fugir debaixo de fogo e foram mortos ou feridos; outros foram atacados dentro das trincheiras, onde os portugueses, rapazes de sangue na guelra, habituados à luta corpo a corpo e ao uso de varapaus, foram mais fortes. Terminados os combates, à voz do comandante, os nossos regressaram rapidamente às suas trincheiras, exibindo os troféus.
Os objetivos do raide foram atingidos: captura de algum material de guerra, destruição de vários equipamentos, morte de muitos militares e outros que foram feridos ou feitos prisioneiros. Do lado português houve 20 feridos, entre eles o Tenente Luis Gonzaga e o Alferes Alípio de Oliveira, mas regressaram todos às trincheiras portuguesas pelo próprio pé. Cumpriu-se, também, o objectivo principal daquele raide, que era a moralização dos nossos militares, protagonistas do 1.º raide levado a cabo com tão grande sucesso. Esta moralização foi reforçada pelos elogios vindos dos comandos português e aliado e pela forma como passaram a ser vistos pelos alemães que, até ali, os olhavam com desdém.
Muitos dos militares que participaram no raide foram louvados, condecorados, promovidos ou compensados com várias regalias. Alguns oficiais foram condecorados com a Cruz de Guerra de 1.ª Classe, e muitas praças receberam a Cruz de Guerra de 3.ª Classe.
À 1.ª Companhia do Batalhão de Infantaria 21 foi também atribuída a Cruz de Guerra de 1.ª Classe «…pela bravura e intrepidez com que realizou o raid de 9 de Março de 1918, em que atingiu todos os objectivos que lhe tinham sido determinados, fazendo prisioneiros, tomando material, e causando baixas e estragos consideráveis ao inimigo, demonstrando assim as qualidades do soldado português, com o que muito contribuiu para fortalecer o moral das tropas e para realçar o seu prestígio perante os nossos aliados.»
Neste raide, entre oficiais, sargentos e praças, participaram militares da 1.ª Companhia do Batalhão de Infantaria 21, oriundo da Beira Baixa, num total de cerca de 150 homens, comandados pelo Capitão António Germano Guedes Ribeiro de Carvalho. Participaram também alguns militares da 3.ª Companhia de Sapadores Mineiros.
Provavelmente pela sua participação neste raide, coube ao Capitão Ribeiro de Carvalho, entretanto promovido a Major, comandar os militares portugueses que desfilaram em Paris, no Dia da Vitória.

         Dos cerca de 55 mil portugueses que participaram na Grande Guerra, em França, 55 eram da freguesia de São Vicente da Beira. No raide de 9 de março, estiveram pelo menos cinco dos nossos conterrâneos: Aires Pedro (1894-1962); António Amaro (1984-1966); António Fernandes (1895-1961); Bernardo Cruz (1894 –1970); Francisco Patrício Leitão (1894-?). Todos eles foram louvados «…pela coragem e disciplina demonstradas no raid efetuado pela sua companhia, no dia 9 de março de 1918, contribuindo pelo seu esforço e ação para o completo êxito daquela operação.»

Aqui fica também o nosso louvor, 100 anos depois!

Maria Libânia Ferreira

8 comentários:

José Barroso disse...


Um trabalho sobre os nossos intervenientes (nossos, da freguesia de S. Vicente da Beira) na I Guerra Mundial, é mais uma etapa para a descoberta do nosso passado! Tem-se sabido muito mais sobre nós, nos últimos anos, do que em todas as décadas anteriores! Graças a empenhos como este.
Segundo me disseram uma vez numa disciplina de "Investigação", ninguém sabe mais sobre um tema do que a(s) pessoa(s) que o investiga(m). Nem mesmo o professor (que se limita a estudar o trabalho). E que, mais tarde, irá examinar o aluno, questionando-o sobre as teses apresentadas.
Um comentador não está em nenhuma dessas posições. Nem é aluno, nem é examinador. Logo, cabe-lhe simplesmente fazer perguntas, que é o que faz quem tem apenas o papel de curioso. Deixamos isso para depois do resultado final.
Mas que esse deve ser um trabalho excitante, lá isso deve!
Abraços.
JB

José Teodoro Prata disse...

E esta de um dos oficiais do batalhão 21 se chamar Luís Gonzaga?

José Barroso disse...

Também me interroguei sobre essa do Luís Gonzaga. Mas é claro que não era o ti' Luis "Gonzaga" (avô, por exemplo, do António Madeira - Tó Escanta), um dos que andou na nessa Grande Guerra. Já agora: acho que este foi alcunhado de "Gonzaga" por causa do São Luís Gonzaga, Santo da Igreja Católica. Ou seria por causa desse oficial? Não sei.
Mas lembro-me que era corrente ele falar em tom monocórdico. Muitas vezes, com a cabeça gaseada da guerra, com a idade e com os copos, parece que dizia: "Eu sou o 21 do 21 da puta que me pariu!" - referindo-se a si próprio! Pelos vistos, teria sido o soldado nº. 21 do Regimento 21 (da Covilhã). Daí, essa legalenga. Mas também ralhava! Sobretudo com a mulher! Tinha ainda outra cantilena que metia a mulher e umas possíveis namoradas francesas ("moiselles", como dizia). Já não me recordo bem. Porém, a ideia era que, quando estava chateado com a mulher, entendia que teria sido preferível ter casado com uma "moiselle", em vez de ter vindo casar com Joana (acho que era assim o nome dela). E é um facto que muitos soldados portugueses casaram com raparigas francesas. Conheci um deles, nos anos 60, perto da casa de um tio meu na zona da grande Lisboa. Alguns pormenores podem perguntar-se ao Tó Escanta.
O ti' Luís "Gonzaga" era, a par de outras, uma figura muito interessante da vila. É uma pena não termos essas pessoas connosco!
Abraços, hã!
JB

M. L. Ferreira disse...

É muito modesto, o José Teodoro! Que seria de mim, sem a orientação dele, nesta aventura? Mas valeu a pena. Acho que nestes três últimos anos aprendi mais sobre a nossa gente do que no resto da minha vida.
Sobre o nosso Luís Gonzaga: tinha razão quando dizia que era o 21, 21... porque realmente era o nº 21 de uma das companhias que faziam parte do Batalhão de Infantaria 21. Na altura em que foi para França, já era casado com a sua Joana... Sobre o nome, é provável que o tenha adotado do oficial da sua companhia, ou do Santo do seu dia. Para mim, o mais provável é que o tenha herdado do padrinho, que se chamava Luiz Gonzaga de Sousa Pereira, e era estudante, na altura. Este Luiz Gonzaga era filho de João Pereira Ribeiro e Anna de S. João e neto paterno de João Pereira de Carvalho, das Sarzedas e Ana Augusta Ribeiro Robles, e materno de Luís Patrício e Maria de Jesus. Deviam ser famílias abastadas, provavelmente os patrões do pai do nosso Luís, que era ganhão.

José Teodoro Prata disse...

O João Pereira de Carvalho e a Ana Augusta foram os bisavós, salvo erro, dos nossos irmãos Pereira (os Padre e Músico).

Jaime da Gama disse...

José Teodoro, os nomes em questão: João Pereira de Carvalho *1823 Sarzedas T 5-03-1880 casou em São Vicente a 11-010-1843 com Anna Augusta Ribeiro Robles *22-11-1819 T 26-01-1868 foram os Trisavós dos Pereiras dos Santos (9 irmãos) filhos de (José Maria dos santos) este era primo direito do meu Avô Materno (Jaime Craveiro).

Anônimo disse...

É fantástico, como diz o ZB, aquilo que temos sabido do passado da nossa região, com o trabalho persistente do ZT, incansável pesquisador e agora com o contributo da MLF e do Jaime Gama, que pelos vistos também sabe da poda.
O meliena do ti Luís Gonzaga saltava-lhe à língua quando o copito lhe subia às orelhas. Geralmente aos domingos.
FB

Jaime da Gama disse...

O ti Luís Gonzaga era danado, a 14 de Outubro de 1917 foi punido pelo comandante de Companhia com 2 dia de de detenção por comparecer com a barba por fazer apesar das recomendações feitas na formatura para a revista que teve lugar em 5 do mês corrente. Punido em 14 de Outubro pelo Comandante da Batalhão com 10 dias de detenção porque fazendo parte do pelotão da Guarda ao Chateau de Stº André (França)manifestou indícios de embriagues, tendo sido mandado recolher ao aquartelamento pelas 17 horas do dia 13.
Era o nº 21 do Regº Infª 21 e embarcou no dia 21 de Janeiro de 1917 "prá P... que P...", tudo tinha que ser para se identificar como o 21.