quinta-feira, 30 de novembro de 2017

1 de dezembro

ERA UM VEZ DOIS IRMÃOS

Era uma vez dois irmãos
Um dia seguiram seus rumos
Nas partilhas, um ficou com a parte de leão
Mas tanto um como o outro
Para aumentar seu pecúlio
Tiveram que guerrear com o Islão
Durante muitos anos andaram com a espada na mão
Até se guerreava o cristão.
Iam muitas vezes ao fossado
Para talarem as terras de cultivo
Montados nos cavalos, faziam algara
Viam-se espadas por todo o lado
Um desconhecido, era um inimigo
Tempo desgraçado
De vez em quando lá se fazia um tratado
Através de casamentos
E os irmãos pegavam no arado
A espada era arrumada
Os homens cavavam com a enxada
A terra por todo o lado era arroteada,
Lavrada e semeada
E o povo de um e outro lado
Vivia feliz, contente
Eis uma nova desavença, gritavam
Santiago… e matavam
São Jorge…
E guerreavam
Destruíam e queimavam
Mas, os irmãos iam andando
Trabalhando e lutando
O tempo ia passando.
Um dia o rei Lusitano
Não seguiu o conselho do irmão castelhano
E foi para o deserto guerrear
Por lá morreu, que azar
Um cardeal começou a governar
Pouco tempo esteve a mandar
Morreu… mais um azar
Então o irmão mais abastado
Veio tomar conta do nosso bocado
E a Península voltou a ficar unida
O povo ia sofrendo calado
Porque de impostos era carregado
Aquilo não era vida.
Sessenta anos depois
Quarenta valentes finalmente
Destronaram a duquesa
Havia novamente rei nacional
No reino de Portugal
O outro irmão não se conformou
Durante muitos anos lutou
Até que um tratado se assinou
Ambos juraram amizade.
A partir desse momento a sociedade
Pode começar a construir
Com o tempo as desavenças foram-se diluindo
De mãos dadas, juntos, temos que avançar
Só assim podemos conquistar
A riqueza, o bem-estar
Então, todos devemos colaborar.
Portugal, Espanha, dois irmãos fortes e valentes
Chegou a hora de mostrarmos ao mundo
Quase todo por nós descoberto
É mais o que nos une
Que aquilo que tanto tempo nos separou
Nossos santos, heróis e guerreiros
Nas suas tumbas se alegrarão
Possamos finalmente dizer;
Sou português, sou espanhol
Sou Ibérico, pois então
Por isso tu és meu irmão

Zé da Villa

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Gente nossa

O Padre José Antunes, meu colega e amigo do tempo do seminário do Tortosendo, nas suas andanças pelo mundo «Em Macau, ao visitar a igreja do Seminário de São José, na fachada da entrada vi uma lápide que menciona o bispo João Ramalho. Como ele era natural de São Vicente da Beira  tirei uma foto.»
E enviou-ma, pois ele, natural do Maxial do Campo, também visita o nosso blogue.




Diz-se que quem não sabe latim fica assim, mas não é verdade, pois o latim é a nossa língua-mãe e por isso parecido com o português.
Transcrição das 7.ª, 8.ª e 9.ª linhas: 
D.(?) Dom João de Deus Ramalho Sociedade de Jesus
Bispo de Macau
Ano de 1953

José Teodoro Prata

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

A Igreja Matriz

A 3 de maio de 1829, a Igreja (capela, no dizer o vigário da época) da Misericórdia de São Vicente da Beira funcionava como Matriz, segundo o registo de batismo que a seguir se apresenta (linhas 9 e 10).
Datam destes anos do século XIX as obras de ampliação da nossa Igreja Matriz, como se pode verificar pela data inscrita por cima do pórtico principal.


José Teodoro Prata

sábado, 25 de novembro de 2017

Gente nossa

Global Mosquito Alert: NASA DEVELOP Project Partners Handoff

O programa DEVELOP, parte do Programa de Ciências Aplicadas da NASA, aborda questões ambientais e de políticas públicas através de projetos de pesquisa interdisciplinares que aplicam a lente das observações da Terra da NASA às preocupações da comunidade em todo o mundo. Colocando o fosso entre a Ciência da Terra da NASA e a sociedade, o DESENVOLVIMENTO cria capacidade tanto em participantes quanto em organizações parceiras para melhor prepará-los para enfrentar os desafios que enfrentam a nossa sociedade e as gerações futuras. Com a natureza competitiva e o crescente papel societário da ciência e da tecnologia no local de trabalho global de hoje, o DEVELOP promove um corpo adepto de cientistas e líderes do futuro.
No Outono de 2017, o Programa de Inovação de Ciência e Tecnologia do Wilson Center se associou com outros membros do Global Mosquito Alert Consortium (GMAC) em um projeto, Taking a Bite Out of Mosquito-Disease: mapeamento e monitoramento de doenças transmitidas por vetores na Europa Ocidental.
As doenças transmitidas por vetores são conhecidas por serem desenfreadas por países em desenvolvimento, no entanto, eles estão se tornando cada vez mais comuns em áreas desenvolvidas do mundo. Nos últimos anos, a Europa Ocidental tem crescido em surtos de doenças transmitidos por vetores. Em resposta a esta preocupação, pesquisadores, cientistas cidadãos e várias organizações internacionais estão trabalhando juntos para monitorar habitats e áreas de reprodução de mosquitos. Mesmo assim, prever e prevenir surtos continua a ser um sério desafio. A equipe da NASA DEVELOP combinou as observações da Terra da NASA com dados de ciência cidadã para criar uma metodologia e mapa de adequação do habitat para auxiliar os usuários finais no monitoramento e mitigação de surtos de doenças transmitidos por vetores.
Linha traseira: Victor Lenske, Alison Thieme, Aaron Warga, Doug Gardiner
Primeira linha: Luísa Gama da Silva, Sara Lubkin, Gia Mancini, Helen Plattner

Durante a transferência do projeto, 3 membros da equipe NASA DEVELOP apresentarão a pesquisa que realizaram durante o período de 10 semanas e entregarão os resultados de suas pesquisas aos parceiros do projeto. Gia Mancini, Doug Gardiner e Luísa Gama da Silva são membros do projeto de 10 semanas de Europa da Saúde e Qualidade do Oeste com o programa NASA DEVELOP no Goddard Space Flight Center. Gia Manicini se formou na Universidade Estadual de Ohio com um diploma em Meio Ambiente e Recursos Naturais e é o líder do projeto para este período de outono. Doug Gardiner é atualmente um aluno de mestrado na Universidade George Mason, estudando Estudos Interdisciplinares com uma concentração em Energia e Sustentabilidade. Luísa Gama da Silva graduou-se na Universidade de Boston com licenciatura em Ciência Ambiental e Energia Sustentável. Juntar-se à equipe para a apresentação será a Dra. Sara Lubkin, que recebeu seu doutorado em Geologia da Cornell e é o Centro Assistente do Centro e um Coordenador de Coordenação do Projeto para DESENVOLVER.
Este Wilson Center está animado para trabalhar com a NASA neste importante esforço.

Genologia de Luísa Gama da Silva, Washington DC:
Filha de: Ednaldo Araquém Silva, João Pessoa - Brasil e de Rita Maria Craveiro Parreira da Gama, Lisboa
Neta de: Artur Manuel Parreira da Gama, Alcácer do Sa,l e de Maria Ângela Alves de Sousa Craveiro, Oliveira do Bairro (pais de Rita Maria Craveiro Parreira da Gama).
Bisneta de: Francisco Gama, São Vicente da Beira, e de Adelaide da Conceição Villa-Boim Parreira, Alcácer do Sal (pais de Artur Manuel Parreira da Gama).
Bisneta de: António de Jesus Craveiro, São Vicente da Beira, e de Aida Alves de Sousa, São Vicente da Beira (pais de Maria Ângela Alves de Sousa Craveiro).
Trineta de: Manuel Martins Gama, São Vicente da Beira, e de Maria Emília Alves de Sousa, São Vicente da Beira (pais de Francisco Gama).

Jaime da Gama

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Casal da Serra: o Cavaco

Quem atravessa o Casal da Serra e continua a subir pela Gardunha, vai encontrando ao longo do caminho muitas casas espalhadas pela encosta. Depois do incêndio ficaram mais visíveis, mas, mesmo assim, feitas da pedra da Serra, confundem-se com a paisagem. Algumas estão dispersas e isoladas; outras formam pequenos casais onde viveram várias famílias ou gerações da mesma família.


Um desses casais é o Cavaco. São meia dúzia de casas, atualmente todas desabitadas, mas dizem que já houve tempos em que os que lá moravam eram mais que os que agora vivem no Casal da Serra. Eram quase todos da família Serra e dos Jacintos; tiveram muitos filhos que agora andam espalhados por esse mundo fora.
Quem lá morava, era quase auto-suficiente. Produziam de tudo para casa, nas hortas e lameiros que por lá abundam; e havia água com fartura para as regas.



Também havia muitos castanheiros. Produziam bem, e as castanhas, frescas ou piladas, ajudavam a encher a barriga ao longo de quase todo o ano.


As casas tinham dois pisos: por baixo guardava-se o gado, cabras e vacas, e por cima viviam os donos. Na eira, mesmo em frente, secavam-se e malhavam-se os cereais.


Os porcos viviam nas furdas, mesmo ao lado das casas; e as galinhas andavam na rua, a comer o que apanhavam, que lá nisso não são esquisitas…


Mas, à noite, eram fechadas. Aproveitavam-se os vãos das escadas e dos balcões para as proteger dos lobos e das raposas, que havia muitos, naquele tempo.

Vidas simples, mas trabalhosas, das quais só se saía aos domingos, para ir à missa.
Não me parece que o Francisco Sarmento [rever publicação Incêndios: um outro olhar] queira recuar tanto quando diz que temos que mudar o nosso modo de vida se queremos salvar o planeta, mas alguma coisa tem que ser feita. Também fico escandalizada que nos supermercados portugueses haja tanta carne, fruta e legumes que dão quase a volta ao mundo para cá chegar. Penso que não é assim tão difícil combater estas práticas: basta não comprarmos esses produtos e escolher o que é nacional. O problema é que somos quase todos muito pobres para podermos fazer essas opções. Pobres na carteira e no espírito, e por isso também ainda deitamos o lixo para o chão…

M. L. Ferreira

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Roque Lino, uma vida


Foto dos fundadores do Partido Socialista.
O Roque Lino é o terceiro, em cima, a contar da esquerda.


Assinaturas dos fundadores do Partido Socialista.
Fonte das duas imagens: Ditadura e Revolução, Maria João Avillez.


O Roque Lino, em São Vicente da Beira, a colar um cartaz do Partido Socialista, na Rua do Beco, junto à Praça, a 8 de setembro de 1985, uma semana antes das Festas de Verão (que nessa época ainda eram no 3.º fim de semana de setembro).


Festas dos Josés, a 19 de março de 1983, em São Vicente da Beira.
O Roque Lino pega no andor de São José, na frente, à esquerda.

José Manuel dos Santos

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Homenagem

Homenagem a quem partiu

É bela a memória que sobrevive
A alguns escombros do passado
Quando ela ressuscita quem vive
Do injusto esquecimento libertado.

São tantas as memórias de outrora
Que resistiram à erosão da idade
Que quero recordar hoje e agora
Os que me moldaram de saudade.

Acordaram-me a lembrança dos amigos
Que construíram a minha liberdade
Em tempos idos e já antigos.

Que este tempo novo que vivemos
Quase ignora a luta e a fraternidade
De quem já partiu e que perdemos.

(Roque Lino, Retrato Intemporal)

Nota: Faço minhas as palavras do José Barroso, em comentário da anterior publicação: São Vicente acaba de perder um amigo, um dos seus filhos que não resistiu ao chamamento da mãe-gardunha e escolheu passar connosco parte dos dias dos seus últimos anos.

José Teodoro Prata

sábado, 18 de novembro de 2017

Roque Lino, 1938-2017

 
Foto dos fundadores do Partido Socialista, em 1973, na Alemanha. 
O Roque Lino está imediatamente à direita de Maria Barroso.

Partido colocou a sua bandeira a meia haste e expressou "profundo pesar pela morte do seu fundador e militante 32"
O PS decidiu colocar esta quinta-feira a sua bandeira a meia haste pela morte de um dos seus fundadores, Roque Lino, de 79 anos, antigo secretário de Estado para a Comunicação Social no segundo Governo de Mário Soares.
Em comunicado, a direção do PS expressou "profundo pesar pela morte do seu fundador e militante 32, José Maria Roque Lino", antigo deputado, advogado de profissão e destacado opositor ao regime do Estado Novo.
Como forma de honrar a memória de Roque Lino, a direção do PS "deu instruções para a colocação bandeira do PS a meia haste nas suas sedes".
"Participante na reunião fundadora do partido, em 1973, na Alemanha, Roque Lino constituiu-se ao longo da sua vida numa referência do PS, tendo evidenciado sempre no exercício das mais diversas funções o seu apego aos valores do socialismo democrático e do humanismo", salienta-se no comunicado.
A morte de Roque Lino, para a direção deste partido, constitui "uma perda para o PS, para os socialistas e para todos os democratas".
"Neste momento de perda, partilhamos com todos os camaradas a nossa mais sentida dor, transmitindo à sua família a solidariedade do Partido e dos socialistas portugueses. A vida de José Maria Roque Lino constitui mais um poderoso testemunho do contributo dos socialistas para a construção do Portugal democrático e de uma sociedade mais justa", acrescenta-se no mesmo comunicado.
Diário de Notícias 

Jaime da Gama

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Véspera do São Martinho

No tempo dos meus Avós e Pais era tradição na véspera de São Martinho ir tocar chocalhos à porta dos Senhores mais abastados da Vila, para que eles dessem um copo do seu vinho novo.
Poucos eram os que acediam ao toque dos chocalhos e aos pedidos dos Vicentinos mais novos, que não tinham outras opções senão ir saciar a sede à Fonte Velha ou, se tivessem alguns tostões no bolso, irem beber o copo de vinho a uma das tabernas existentes na Vila.

Anos mais tarde…
Eu, criança e jovem e os meus Pais, mantínhamos a tradição de ir tocar os chocalhos.
À noite depois do jantar, íamos tocar o chocalho à porta dos familiares mais próximos.
Éramos recebidos com enorme alegria e convidados a entrar para provarmos o vinho novo acabadinho de sair do pipo, a doce jeropiga, as castanhas cozidas ou assadas, as passas de figo, o pão e os bolos caseiros, o queijo fresco e a chouriça assada na brasa.
O serão era passado à lareira, contando histórias de outros tempos e “viveres” do dia-a-dia.
Aos poucos o sono ia chegando e era enorme o meu esforço para manter os olhos abertos e regressar a casa pelo meu próprio pé.
Regressávamos já noite alta, com o ar fresco da Gardunha a tocar-nos o rosto e a promessa: o próximo serão familiar seria nas Janeiras.
E voltávamos e visitávamo-nos, sempre.
Mas os anos passaram e a vida com as suas leis mais duras e os seus percursos mais dolorosos fez com que partissem os familiares de tantos momentos felizes.

Hoje é véspera de São Martinho e não sei se algum Vicentino mantém a tradição de ir tocar os chocalhos.
Por mim, estou em silêncio no meu cantinho e volto atrás no tempo…
Guardo em mim o som do toque do meu chocalho e no coração as memórias e as saudades do tempo que não volta atrás.
Tempo de criança, tempo de alegria, de convívio e de partilha.
Tempo…
Tempo que foi e é meu.


Luzita
10/Novembro/2012

terça-feira, 14 de novembro de 2017

PR 10

Éramos 25, um quarteirão. Uma boa conta, à maneira antiga. Mais seríamos, mas a missa acabara meia hora antes e não se articularam as coisas. No final, as castanhas e a jeropiga do São Martinho!
O percurso, em volta da barragem, está marcado entre o Alto da Fábrica e o paredão da Barragem do Pisco, seguindo a margem esquerda. Mas falta a manutenção e sobretudo concluir o percurso, que não está homologado, mas será  o PR 10, segundo me informaram.
É uma boa hipótese de percurso, circular, fácil, curto/médio (cerca de 6 quilómetros, a olho) com partida e chegada à Praça, pelas duas margens da barragem e da ribeira, até à Fonte da Pipa.
O único senão, e é mesmo o único, pois trata-se de um percurso muito bom, é a estrada de alcatrão até ao Alto da Fábrica. O António Craveiro, que conhece tudo e já terá palmilhado cada metro num raio de 5 quilómetros em torno de São Vicente, disse-me que antigamente passava-se do fundo do ribeiro da Oriana para o Casal do Pisco. Isso sim, seria ouro sobre azul: por um lado, pelo caminho da Oriana, pelo outro, pelo Pelome.
Há floresta, água, fauna abundante e muito variada, terrenos agrícolas, residências e até turismo de habitação (Lugar do Ainda). Sendo circular, dá para começar e terminar na nossa Praça, do Paredão da Barragem do Pisco ou do Lugar do Ainda.
Notas:
1. A garça-real desta vez não se deixou ver, mas a Libânia confirmou que as há até na charca do Casal Pousão!
2. As margens da barragem têm muito lixo, ali deixado por quem a visita. Precisam de ser limpas e que se coloquem letreiros e caixotes do lixo na zona do paredão.






José Teodoro Prata

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Conversas fiadas

Nasci em 1937 e tenho muita coisa que contar, que a minha vida já foi muito grande.
Éramos nove irmãos, mas morreu um, ainda em pequeno, e ficámos só oito. Criámo-nos todos aqui nesta casinha. Agora já está muito aumentada, mas naquele tempo era só uma sala tão pequena que mal lá cabia uma mesa e umas poucas de cadeiras, para quando vinha alguém de fora; a cozinha, também um cochicho, e os quartos eram só dois; mas cabíamos cá todos. Os meus pais dormiam num dos quartos, três das cachopas dormiam no outro, as outras duas dormíamos numa enxerga, no forro, e os três rapazes dormiam todos juntos, no palheiro ou ali por debaixo das escadas que vão para a loja. Mas vivíamos todos muito felizes. Sem mimos que, com tanto filho para criar, não havia tempo para essas coisas; mas nunca nos faltou a educação nem que comer, graças a Deus.

O meu pai era muito bom homem e o melhor pai do mundo. Nunca nos tocou, mas o que ele dizia era uma escritura. E era muito trabalhador, mas tinha que andar quase sempre por fora, que aqui ninguém se governava. Até ainda chegou a ir para a Espanha e lá para cima, para o norte. Andou nas minas da Panasqueira uns poucos de anos e também foi serrador. E quando não tinha noutro lado ia ao quinto e à azeitona. Alguns anos até era ele o manageiro.   

A minha mãe também era muito boa, mas como era ela que tinha que nos aturar, às vezes perdia a paciência e chegava-nos a roupa ao pêlo. Era fiadeira e tecedeira, que naquele tempo pelas nossas terras toda a gente cultivava linho, fiava e tecia. Só na nossa casa havia três teares, e foi com ela que eu e as minhas irmãs aprendemos tudo o que sabemos. Ela fazia primeiro e depois nós fazíamos como ela.

Eu andei na escola e ainda fiz até à 3ª. classe. Entrei com 7 anos e aos dez estava pronta; nunca fiquei mal. Naquele tempo era uma sala cheia de cachopos e cachopas, todos juntos. Tínhamos cá uma professora muito boa e que ensinava muito bem. Era de Castelo Branco e ficou cá pra cima de 30 anos; ninguém teve nunca nada a apontar-lhe. Batia pouco, que nós também lhe tínhamos muito respeito, mas havia alguns que eram turrões e aí ela às vezes tinha que lhes dar umas reguadas valentes. Eu não era mais que os outros, mas era humilde e aprendia muito bem. Do que mais gostava era dos problemas, chamávamos-lhe nós exercícios, e ainda hoje os faço como ela os ensinava, de cabeça.

E também brincávamos e cantávamos muito. Na quaresma não, que não se podia cantar, nem dançar, nem fazer rodas; mas jogávamos ao paspelho e fazíamos bolas com retalhos de pano e jogávamos à parede. Os rapazes jogavam ao pião, à bilharda, ou faziam alcatruzes com paus de salgueiro para ver quem acertava mais longe. Divertia-se a gente como podia.

Quando acabei a escola tive um grande desgosto porque o que eu queria era começar logo como tecedeira. Mas éramos seis raparigas lá em casa, e como era às mais velhas que pertencia estarem nos teares, e eu era das mais novas, tive que ir para lavadeira e para o campo. Mas sempre que podia punha-me a olhar como é que elas faziam e fui aprendendo só de ver.

Depois, quando chegou o tempo da azeitona, fui logo para uma campanha do Vaz Preto. Era uma casa muito grande, das maiores aqui à roda, sempre com muitos trabalhadores todo o ano. Era tão rico e deu tudo em nada. Nesse tempo ganhava-se a sete e quinhentos por dia, mas depois passaram a pagar ao quilo. Quanto mais se colhia mais se ganhava. Ainda lá fiz 25 fragatas.

Quando se acabava a azeitona íamos logo para os terços e para os quintos, ali para a Idanha, e trabalhávamos tanto como um homem. Éramos umas quarenta, entre raparigas novas e mulheres feitas. Era muito difícil porque de inverno era muito frio e às vezes a chuva era tanta que não trazíamos um fio enxuto em cima do corpo; e no verão era tanto o calor que até atabafávamos. Mas também nos divertíamos muito e andávamos sempre a cantar, que até parece que o cantar ajudava a gente. Já o meu avô dizia que «gente que canta não está com a preguiça e seu mal espanta…»

E era lá que a gente aprendia muitas das coisas da vida que as nossas mães não nos ensinavam em casa. As mais novas aprendíamos com as mais velhas porque dormíamos todas juntas e, quando era à noite, fazíamos de conta que estávamos a dormir, e elas punham-se a falar dos namoros e doutras coisa, e nós a ouvir tudo sem elas darem por isso.
Algumas arranjavam por lá namoros, mas o mais das vezes não iam avante. Até cantávamos assim:

Os amores da azeitona
São como os da cotovia,
Acabada a azeitona,
Fica-te com Deus, Maria.

Também sucedeu algumas virem de lá de barriga; depois tinham que casar à pressa ou eram apontadas por todos. É assim; o mundo sempre foi igual e há de continuar a ser. As pessoas é que se esquecem…

Quando era pelo Santiago era uma alegria, e mesmo quem andava por lá nunca faltava. Era uma festa muito linda. Cada terra trazia o seu ranchinho com um homem a tocar concertina, e as mulheres atrás, a cantar. Ia tudo a pé por esse caminho afora. Quando lá chegávamos dávamos a volta à capela, sempre a cantar, a ver quem ganhava. Os do Vale da Figueira ganhavam quase sempre porque vinham os do Açor, que éramos quase todos de família, e ajudavam-nos no rancho. Depois da missa vínhamos para casa e comia-se a carne e os doces que já tinham sido preparados de véspera ou de manhã cedo; as famílias todas juntas. Era muito lindo!

O pior era quando se lá armavam aquelas grandes bulhas, que era quase todos os anos, e alguns vinham de lá com as cabeças partidas, todos a escorrer sangue. Não é que os rapazes daquele tempo fossem piores que os de agora, mas dantes parece que juntavam as teimas que havia pelo ano adiante e eram todas distinguidas à pancada pelo Santiago. Rapaziada nova, com o sangue a ferver na guelra…

Quando as minhas irmãs mais velhas se casaram e abalaram para as casas delas, já eu pude ter um tear só para mim. Tecia tudo: linho, algodão, orelos, e a bordar e fiar, não havia quem me ganhasse. Trabalhávamos para as terras todas aqui à roda. Às vezes íamos entregar o trabalho ao Casal da Serra ou ao Louriçal com algumas vinte mantas à cabeça. Por isso é que eu tenho tanto mal nas minhas costas. Outras vezes íamos de burro, com uma carga tão grande que mal se lhe viam as patas. Ganhava-se bem, mas também nos saía do corpo. Havia alturas em que o trabalho era tanto que estava todo o dia ao tear, e à noite enchia canelas, sentada ao lume, para não perder tempo ao outro dia.

Era muito trabalhoso, mas as horas mais felizes que eu tinha era quando me punha ao tear. Nunca fui grande cantadeira, mas ao tear ninguém me calava. Até parecia que as próprias cantigas me avultavam o trabalho.


Tecedeira briosa
Está no tear e não tece,
Ou ela anda de amores
Ou o tear lhe aborrece.

Namorei uma tecedeira
Pelo buraco do pano,
Ela, trac, trac, trac,
Não me dava o desengano.

Se o meu amor hoje morresse
Que penas eram as minhas,
Deitava-me a afogar
Para o caco das galinhas.

Meninas da nossa terra
São muitas, parecem poucas,
São como as folhas da rosa,
Encobrem-se umas às outras.

Nunca me casei. Não porque não tivesse tido quem me quisesse, mas não calhou. Às vezes diziam-me que uma mulher sozinha não era ninguém, e que um homem sempre era um amparo, mas nunca tive inclinação pr’aí. Também nunca me arrependi, que os meus irmãos e os meus sobrinhos foram sempre meus amigos e estimaram-me sempre muito. E eu também os ajudo, quando posso. Já se sabe, uma mão lava a outra…

Tive uma vida grande. Com muito trabalho, mas a fazer aquilo de que mais gostava. E a minha maior pena, agora que já não posso, é a mocidade já não querer saber destas coisa antigas para nada.

Nota: A indústria da fiação e tecelagem foram, durante muito tempo, uma das mais importantes desta região. De acordo com a pesquisa do José Teodoro, apresentada no livro «O Concelho de S. Vicente da Beira nos finais do Antigo Regime», em 1790 havia 177 cardadores e fiadeiras em S. Vicente, só por conta das fábricas da Covilhã. Haveria muitas mais a trabalharem por conta própria, para consumo familiar.
Numa consulta aos Registos Paroquiais do início do século XX, verifiquei que a maior parte das mães e madrinhas das crianças batizadas tinham a profissão de fiadeira/tecedeira. Não eram referidas as profissões das avós, pelo que não estaremos muito enganados se dissermos que não haveria muitas casas em que não existisse pelo menos uma roca e um tear.
Outros tempos e outras vidas, que nos ajudam a compreender o valor das coisas, e a perceber porque é que se deixava em testamento uma camisa ou um lençol, às vezes já usados. 

M. L. Ferreira

terça-feira, 7 de novembro de 2017

domingo, 5 de novembro de 2017

Reflorestar


Várias associações e autarquias das vertentes norte e sul da Gardunha têm reunido no sentido de encontrar respostas para a recente destruição da vegetação na nossa serra. De São Vicente da Beira, participam o movimento Todos Juntos, o GEGA e a Junta de Freguesia. As crianças e adolescentes das várias escolas também vão ser envolvidos nas ações a desenvolver.
A aposta imediata é a recolha de sementes de árvores autótenes, no sentido de promover a reflorestação das áreas queimadas. Vai proceder-se ao levantamento dos terrenos públicos, onde se possam plantar as novas árvores.
Embora altamente meritória, a iniciativa levanta-me algumas reservas: acho as medidas curtas para tamanha destruição ciclicamente repetida; idênticas iniciativas já foram promovidas no passado, sem resultados à vista; só nos espaços públicos? então mas os espaços ardidos não são quase todos privados?; a maioria das áreas públicas que conheço situam-se nos altos da serra, onde a vegetação não vinga, basta olhar in loco e basta verificar os resultados de anteriores plantações nesses locais.
A reflorestação, tal como a prevenção, ou aposta na implementação de medidas, começando pela sensibilização,  junto dos privados ou está condenada ao fracasso.

José Teodoro Prata

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Pirocumulonimbo


O fenómeno que pode estar na origem dos fogos de 15 de outubro

            Tem um nome difícil de pronunciar, é raro, mas poderá ter-se registado por duas vezes este ano em Portugal
            Os incêndios mortais de Pedrógão Grande, a 17 de junho, e da zona centro, a 15 de outubro, poderão estar relacionados com um fenómeno raro, com um nome difícil de pronunciar: pirocumulonimbo. Dois elementos da Comissão Técnica Independente que investigaram os fogos do início do verão que mataram 64 pessoas acreditam que foi isso que aconteceu, segundo contaram à TSF.
            "Pirocumulonimbo é uma tempestade criada por um incêndio", diz Paulo Fernandes, doutorado em Ciências Florestais e Ambientais da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). De entre as imagens que viu e os relatos que ouviu acerca dos incêndios, destaca a nuvem do incêndio, que descreve como "muito desenvolvida, muito alta, que a determinada altura começou a produzir relâmpagos e trovões". "Esse é um dos sinais do pirocumulonimbo", conclui.
            Este fenómeno já havia sido descrito pela Comissão Técnica Independente relativamente ao incêndio de Pedrógão. "É uma nuvem de fumo que sobe muito alto, a 10 quilómetros, 12. Quando essa nuvem sobe tão alto, além da condensação, forma-se gelo e é o atrito entre os cristais de gelo que pode provocar raios, provocados pelo próprio incêndios, e que por vezes dão origem a novas ignições", descreve o Paulo Fernandes, para quem a existência de um pirocumulonimbo "explicaria, pelo menos em parte, a devastação a que se assistiu nestes dois grandes incêndios do interior". De acordo com o que o investigador afirmou à TSF, "um incêndio florestal típico não causa aquela destruição", sendo necessário para isso acontecer "vento forte, com projeções a grande distância de materiais incandescentes".
            Carlos Fonseca, outro elemento da Comissão Técnica Independente, diz à mesma rádio que aquilo que viu foi "um incêndio de uma dimensão, de uma violência, de uma rapidez como nunca tinha assistido". O investigador, que também andou no terreno a combater as chamas junto da sua propriedade, recorda as "labaredas com mais de 30 metros, com fumos de múltiplas cores", um cenário com "toda uma dinâmica atmosférica estranha".

HÉLIO MADEIRAS, Diário de notícias
https://www.dn.pt/portugal/interior/pirocumulonimbo-o-fenomeno-que-pode-estar-na-origem-dos-fogos-de-15-de-outubro-8883123.html


José Teodoro Prata