terça-feira, 28 de maio de 2013

O Assobiador

Há já muitos, muitos anos, conheci um homem extraordinário. Um vicentino genuíno, muito alegre, que vivia e trabalhava em Lisboa: o ti Joaquim Caio. Acho que tio do nosso amigo Ernesto Hipólito.
O ti Joaquim Caio tinha uma pequena oficina de latoeiro, na Av. Miguel Bombarda, ali juntinho à Gulbenkian. E eu que, pelo fim dos anos 90, trabalhava na Av. da República e tinha a Marta e o Miguel na Escola Marquesa de Alorna, ficava-me em caminho, quando os ia buscar, passar pela oficina e, muitas vezes, à tarde, por esse facto, acabávamos por trocar dois dedos de conversa.
Muitas manhãs me cruzei também com ele, sem que me visse, nem eu lhe falasse, por causa das pressas. O que deveras me impressionava nele é que andava sempre com o assobio na ponta dos beiços, quer na rua, quer na oficina, e nessa altura já Lisboa era um inferno de correria e ruído. Mas ele, absorto na melodia, aparentava a mesma calma de quem se passeasse domingo à tarde na nossa praça vicentina.
Esta coisa do assobio era coisa que me impressionava, porque já não se via ninguém a assobiar, mas impressionava-me sobretudo, porquanto tinha o condão de me trazer à memória o meu tio Luís, no Marzelo, pela manhã, a assobiar que nem um lírio (devia ser que nem um melro), enquanto acomodava o ganau. Eu assistia regularmente àquela cena quando vinha da Serra para a Escola. Aquilo era um clik. A figura do ti Joaquim Caio a assobiar ali nas avenidas novas e de repente o Marzelo. A razão só podia ser o amor que tinha ao meu tio.
Então, certo dia, quem é que aparece no Correio da Manhã? O ti Joaquim Caio. Lá estava ele, na primeira página, refastelado numa cadeira de balanço. A foto destinava-se a ilustrar um artigo que recomendava aos idosos o exercício físico, pois que o movimento, dizia-se ali, tem a propriedade de obrigar o organismo a produzir endorfinas que são nem mais nem menos que um analgésico natural.
Ora, já tinha pretexto para lhe fazer mais uma visita e lançar-lhe uma provocação que tinha engendrado na minha cabeça. Passei lá à tarde e vai logo:
- Então o senhor agora que está rico ainda continua a trabalhar?
– Rico? Mas que porra de conversa é essa? Rico como?
– O senhor agora a fazer anúncios… Ganha-se bom dinheiro com isso, que eu sei. Quanto é que lhe deram?
– Mas tu és parvo? Não recebi nada. Os gajos pediram-me e não me custou nada. Disseram-me que ficava bem na foto e precisavam de um gajo já velho.
É bom de ver que os gajos eram os jornalistas do Correio da Manhã que, na altura, estava sedeado em frente da oficina, do outro lado da avenida, e deve dizer-se também que na porta ao lado da oficina havia uma casa de móveis. Portanto, foi canja ao fotógrafo fazer um boneco real, sem custos e logo ali.
Enquanto íamos conversando, lembro-me como se fosse hoje, o ti Joaquim ia dando voltas a um abat-jour que tinha preso entre os joelhos e que, pelo tipo de tecido de que era feito, devia ser mais ou menos da sua idade, tentando soldar os ferrinhos ao suporte central. A liga metálica devia ser ruim, porque a solda custava a agarrar. Vira daqui, vira dali. Umas pancadinhas para soltar a escória da solda. Um ferrinho que se desgarrara e volta a soldar. É quando reparo que pequenas partículas incandescentes de solda que não agarravam ao metal, ao cair, iam produzindo pequenos furos no tecido e o pobre do homem sem dar por ela
Acabada a operação, retira o abat-jour dos joelhos e aproxima-o do nariz para ver como é que o trabalhinho tinha ficado (já via mal, está visto) e é quando repara que o tecido estava todo furado. Vira-se para mim com o ar mais espantado do mundo e diz-me:
- Já viste as coisas que me pedem para arranjar. Esta merda está que nem um crivo de regador…para que é que quererão uma coisa assim?
Eu não tugi nem mugi. Mas gostaria, certamente, de poder estar presente aquando da entrega do abat-jour à dona. Porventura daria uma história bem interessante. Depois veio-me à memória uma expressão que a minha avó Santa lá na Serra usava muito, quando ela e a minha mãe conversavam: “Ó Maria, a velhice tudo nos traz, mas não é coisa boa”.
O pessoal da minha idade, que já passou pelos 50, começa a ter consciência dessa realidade, mas há que manter a serenidade. É que o destino de cada um de nós está em parte escrito nas estrelas e está provado que é impossível fugir-lhe totalmente. Apreciemos o que de bom ele nos dá. É a receita que vos deixo.

Maio de 2013.
Francisco Barroso

domingo, 26 de maio de 2013

A romaria da Senhora da Orada

Esteve um dia lindo. Missa e depois as merendas: ovos verdes, pastéis de bacalhau, carnes assadas..., tudo regado com a água fresca da fonte.
A seguir o rancho e depois a banda. Foi bonito, a condizer com as encostas tingidas pela flor amarela da giesta, em fundo verde escuro.






José Teodoro Prata

sexta-feira, 24 de maio de 2013

A fonte da Senhora da Orada 13

No ano de 1968, uma mulher de Pera do Moço, Escalos de Cima, bateu à porta do ermitão da Senhora da Orada, pedindo-lhe um favor. Queria apanhar banhos, na fonte da Senhora, para ver se se curava, porque andava "inflamada" por dentro e os médicos nada lhe faziam. Ficou hospedada na casa do ermitão.
Durante três semanas, tomou banhos, na fonte, e foram-lhe ministrados clisteres com água da mesma fonte.Curou-se por milagre. Passou a ir à festa, todos os anos, com peregrinos da sua região, levando garrafões das "águas santas" da Senhora da Orada, para distribuir pelas pessoas.

E o autor conclui: 

Na crença das religiosidades populares, a água é também um elemento curativo, contendo virtudes sagradas, relacionadas com entes divinos ou santificados, produzindo factos ditos milagrosos, como na Nossa Senhora da Orada cuja fonte é lembrada, nas cantigas de romaria, pela seguinte quadra:

Nossa Senhora da Orada,
Vossa água tem virtude;
Chegam-se lá os doentes
E de lá vêm com saúde.

Informador: Etelvina Teodoro (Casal da Fraga)
Estudo: Águas e Curas Milagrosas na Serra da Gardunha - A Fonte da Senhora da Orada
Autor: Albano Mendes de Matos (natural do Casal da Serra)
Publicação: Medicina da Beira Interior da Pré-História ao Século XX - Cadernos de Cultura, N.º 13, Novembro de 1999

José Teodoro Prata

quinta-feira, 23 de maio de 2013

A fonte da Senhora da Orada 12

Um mulher do Souto da Casa, de nome Maria de Jesus, tinha um cancro no peito. Foi ao hospital de Palhavã e mandaram-na para casa, sem cura.
Maria de Jesus tinha uma comadre, a "comadre das castanhas", porque arrendavam juntas um souto para apanharem as castanhas, que lhe disse que havia uma mulher em Chaves que curava as doenças ruins. Foi com a comadre a Chaves, levando uma "chapa" (radiografia) tirada no Fundão.
A mulher curandeira retalhou-lhe o peito em quatro, fez os curativos e disse que voltassem lá.
Maria de Jesus pegou-se com a Senhora da Orada. Rezou, pedindo que a curasse, que lhe daria o cordão de ouro e que todos os anos lhe iria agradecer.
Depois de quinze dias de tratamento apenas com as "águas santas" da fonte da Senhora, o peito apareceu curado.
Maria de Jesus foi oferecer o cordão à Nossa Senhora da Orada, devendo pertencer-lhe perpetuamente, não podendo ser vendido.

Informador: Etelvina Teodoro (Casal da Fraga)
Estudo: Águas e Curas Milagrosas na Serra da Gardunha - A Fonte da Senhora da Orada
Autor: Albano Mendes de Matos (natural do Casal da Serra)
Publicação: Medicina da Beira Interior da Pré-História ao Século XX - Cadernos de Cultura, N.º 13, Novembro de 1999

José Teodoro Prata

quarta-feira, 22 de maio de 2013

A fonte da Senhora da Orada 11

Nos meados do século [XX], Francisco Moreira, de São Vicente da Beira, trabalhava numa serralharia da Covilhã. Um dia, saltou-lhe líquido da soldadura para a vista, deixando de ver. Foi a médicos, mas continuava sem melhoras.
A mãe, ao saber, foi vê-lo e levou uma garrafa com água da fonte da Senhora da Orada. A mãe começou a chorar, junto do filho. Este disse à mãe que não chorasse, mas que pedisse à Senhora da Orada. A mãe rezou e banhou os olhos do filho com "água santa" da Senhora da Orada, que logo começou a ver.
Este milagre foi publicado no Jornal "O Pelourinho", de São Vicente da Beira.

Informador: Etelvina Teodoro (Casal da Fraga)
Estudo: Águas e Curas Milagrosas na Serra da Gardunha - A Fonte da Senhora da Orada
Autor: Albano Mendes de Matos (natural do Casal da Serra)
Publicação: Medicina da Beira Interior da Pré-História ao Século XX - Cadernos de Cultura, N.º 13, Novembro de 1999

José Teodoro Prata

terça-feira, 21 de maio de 2013

A fonte da Senhora da Orada 10

Nos anos quarenta, uma mulher de nome Júlia, dos Escalos de Cima, tinha o corpo morto. Espetavam-lhe alfinetes e não sentia. Foi para a Senhora da Orada, para tomar banhos, na fonte, ficando alojada na casa do ermitão. Depois de uma semana de banhos, começou a sentir as picadas dos alfinetes por todo o corpo. Pedia às pessoas para a picarem. Considerou milagre a sua cura.
Até poder, todos os anos ia à festa da Senhora, a pé, descalça, em romagem de agradecimento. Pelo caminho, vendia pinhões.

Em rapaz de São Vicente, criado do senhor Paulino, nos anos quarenta, dormia numa casa da serra. Um dia tolheu-se de todo. Foi preciso levá-lo num padiola, para a casa do ermitão da Senhora da Orada, por uma vereda, onde passou o Natal. Depois de quinze dias de banhos, com a água da fonte da Senhora da Orada, começou a andar.


Informador: Etelvina Teodoro (Casal da Fraga)
Estudo: Águas e Curas Milagrosas na Serra da Gardunha - A Fonte da Senhora da Orada
Autor: Albano Mendes de Matos (natural do Casal da Serra)
Publicação: Medicina da Beira Interior da Pré-História ao Século XX - Cadernos de Cultura, N.º 13, Novembro de 1999

José Teodoro Prata

segunda-feira, 20 de maio de 2013

A fonte da Senhora da Orada 9

José Barroso, do Casal da Serra, nos anos trinta, deixou de ver e foi ao médico a São Vicente da Beira, dizendo-lhe este que nada podia fazer mais do que pôr-lhe umas gotas nos olhos. Com as gotas na vista, regressou a casa, continuando na mesma.
Lembrou-se das "águas santas" da Senhora da Orada, que curavam muitas doenças. Foi com a mulher junto da fonte, lavou a cara e deixou cair água da bica sobre os olhos. Foram rezar à porta da capela e logo se sentiu curado, começando a ver.

Informador: José de Matos (Casal da Serra)
Estudo: Águas e Curas Milagrosas na Serra da Gardunha - A Fonte da Senhora da Orada
Autor: Albano Mendes de Matos (natural do Casal da Serra)
Publicação: Medicina da Beira Interior da Pré-História ao Século XX - Cadernos de Cultura, N.º 13, Novembro de 1999

José Teodoro Prata



Fotos de M. L. Ferreira

domingo, 19 de maio de 2013

A fonte da Senhora da Orada 8

Estes relatos de milagres relacionados com a água da Senhora da Orada, recolhidos por Albano de Matos e aqui divulgados pelo José Teodoro, aconteceram num tempo em que a medicina não tinha atingido o estado de desenvolvimento que hoje conhecemos e, principalmente, não estava acessível à maioria da população. Não admira, por isso, que as pessoas se agarrassem tanto à religião e encontrassem explicações sobrenaturais para muitos acontecimentos das suas vidas. Embora de forma intuitiva, acho que já se pode falar da crença defendida atualmente por muita gente, de que a fé, aliada à ciência, faz milagres. E não é apenas no campo da saúde…
Para além das situações descritas, quase todos conhecemos histórias parecidas que reforçam a ideia da importância da fé e confirmam os poderes milagrosos da água da Senhora da Orada. Aqui fica a minha:

Durante muitos anos os meus avós maternos trouxeram o Mato Branco à renda. No tempo frio viviam na Vila, mas na Primavera, numa espécie de transumância humana, rumavam à fazenda de onde só regressavam no final do Verão. Acho que era uma prática comum nessa altura.
Era durante esse tempo quente que a minha avó aproveitava para cumprir todas as promessas que fazia à Senhora da Orada durante o ano. E não deviam faltar-lhe motivos para promessas porque os filhos eram muitos, as dificuldades enormes e a fé na Senhora ainda maior.
Aproveitava a hora em que todos os outros dormiam a sesta e lá ia ela, descalça (fazia parte da promessa, mas se calhar porque também poupava as alpargatas), caminho acima até ao santuário onde rezava pela intenção devida. Depois dirigia-se à fonte e bebia a água que, acreditava, curava todas as moléstias do corpo. E era assim durante nove dias seguidos.
Normalmente as promessas eram por problemas com algum dos filhos, pela saúde do seu Guilhermino, pelo sucesso das colheitas ou malinas nos animais. Mas houve um ano em que foi por intenção da minha própria avó: já há algum tempo que andava a perder o ouvido e estava a ficar completamente mouca.
Durante oito dias lá foi ela, pela torreira do Sol, até à capela onde rezava as orações devidas. Depois, na fonte, lavava a cara com muita fé nos poderes milagrosos daquela água. Ao nono dia, último da novena, ao chegar ao fundo do terreiro, deu-lhe uma coisa e caiu redonda no chão. Não sabe quanto tempo esteve desmaiada, mas quando veio a si ouvia lindamente todos os sons que havia à volta.
Foi à capela agradecer a graça recebida e voltou para o Mato Branco em pranto e a gritar: Milagre! Milagre! A Nossa Senhora curou-me!

M. L. Ferreira

Nota: Não sei se já era nascida quando estes factos aconteceram, mas, em criança, lembro-me de ouvir a minha avó contar algumas vezes esta história. Agora foi-me recordada por uma tia que a contou mais ou menos pelas palavras com que a escrevi.

sábado, 18 de maio de 2013

A fonte da Senhora da Orada 7

Nos anos trinta deste século, Joaquina Mendes, do Casal da Serra, andava com muitas dores no peito, não podia trabalhar e mal podia respirar.
Foi à Senhora da Orada buscar "água santa", para beber e para se molhar, para se curar , prometendo à Senhora uma novena.
Começou a novena, bebeu água da bica e banhou-se até ao quarto dia. No dia seguinte, sentiu-se mal das pernas, não podendo andar atá à capela da Senhora. Falou com o Vigário de São Vicente da Beira e este mudou-lhe a promessa, o cumprimento do resto da novena, da porta da capela da Senhora da Orada para a porta da capela do Casal da Serra, continuando a beber e a banhar-se da água que trouxera da fonte da Senhora, numa lata. Dias depois da novena e dos banhos, sentiu-se curada o que diz ser milagre.


Informador: Joaquina Mendes (Casal da Serra)
Estudo: Águas e Curas Milagrosas na Serra da Gardunha - A Fonte da Senhora da Orada
Autor: Albano Mendes de Matos (natural do Casal da Serra)
Publicação: Medicina da Beira Interior da Pré-História ao Século XX - Cadernos de Cultura, N.º 13, Novembro de 1999

José Teodoro Prata

sexta-feira, 17 de maio de 2013

A fonte da Senhora da Orada 6

Joaquina Mendes, do Casal da Serra, teve, nos anos trinta, um eczema, numa mão, sempre em ferida, por alguns meses. Os médicos não a curaram. Pegou-se com a Senhora da Orada. Foi à porta da capela, ajoelhou-se e pediu à Senhora que lhe curasse a mão. Fez uma novena de graças à Senhora. Durante nove dias, à porta da capela, rezou nove Glórias, nove Padre-nossos, nove Ave-marias e nove Santa-Marias, lavando a mão nas "águas santas" da fonte, indo a pé do Casal da Serra.
Ao fim de nove dias o eczema estava sarado. Esperou mais meia-dúzia de dias e, como o eczema não "rebentasse", fez outra novena, de agradecimento à Senhora, indo, a pé, rezar à porta da capela, de joelhos. Em casa tem sempre água da fonte da Senhora da Orada para qualquer necessidade que surja.


Informador: Joaquina Mendes (Casal da Serra)
Estudo: Águas e Curas Milagrosas na Serra da Gardunha - A Fonte da Senhora da Orada
Autor: Albano Mendes de Matos (natural do Casal da Serra)
Publicação: Medicina da Beira Interior da Pré-História ao Século XX - Cadernos de Cultura, N.º 13, Novembro de 1999

José Teodoro Prata

quinta-feira, 16 de maio de 2013

A fonte da Senhora da Orada 5

Uma mulher do campo, chamada Joana, estava despedida dos médicos, por causa de uma grave doença, corriam os anos trinta deste século [XX].
O seu homem, que era pastor, ouviu falar dos milagres da Senhora da Orada e disse-lhe:
- Ó mulher, tu não tens fé na Senhora da Orada?
- Tenho. Mas, se calhar, ela não gosta de mim!
- Vamos lá, que ela é nossa Mãe e tem poderes.
A senhora Joana foi com o homem, acompanhados por outra mulher, até à capela, para pedirem à Senhora uma cura. Depois de rezarem e da mulher tomar banhos na fonte, queriam ir embora, porque o homem tinha que guardar o gado. A mulher do ermitão disse-lhes que era melhor a senhora Joana ficar para uma novena. Ficou na casa do ermitão e o homem voltou a trazer-lhe comida.
A senhora Joana fez as rezas e tomou banhos na fonte santa. A princípio, piorou, mas, depois, começou a melhorar e foi-se embora para a terra. Bebeu água da fonte muitas vezes por dia.
No ano seguinte, no dia da festa, a senhora Joana veio, numa carroça, com mais pessoas, a agradecer à Senhora da Orada o milagre que lhe fez, pois estava despedida dos médicos.

Informador: Etelvina Teodoro (Casal da Fraga)
Estudo: Águas e Curas Milagrosas na Serra da Gardunha - A Fonte da Senhora da Orada
Autor: Albano Mendes de Matos (natural do Casal da Serra)
Publicação: Medicina da Beira Interior da Pré-História ao Século XX - Cadernos de Cultura, N.º 13, Novembro de 1999

José Teodoro Prata

quarta-feira, 15 de maio de 2013

A fonte da Senhora da Orada 4

Nos anos trinta deste século, um homem de nome António, do Juncal do Campo, encontrou-se surdo e pediu à Nossa Senhora da Orada para o curar.
Prometeu ir, a pé, do Juncal até à Senhora da Orada, durante nove domingos seguidos, uma novena aos domingos; ir de São Vicente e voltar, sem falar, somente, rezar; fazer o caminho, de joelhos, pelas pedras e pelo mato, desde a capela até à cruz, onde apareceu a Senhora, e da cruz até à fonte, onde acabava a reza e a penitência e se banhava.
No último domingo da novena, chegou à fonte e ficou de joelhos a rezar. Pôs a cabeça debaixo da bica, deixou correr sobre os ouvidos e começou a ouvir.
Todos os anos, até morrer, foi em romaria, no dia da festa, agradecer à Senhora da Orada que milagrosamente o curou.


Informador: Etelvina Teodoro (Casal da Fraga)
Estudo: Águas e Curas Milagrosas na Serra da Gardunha - A Fonte da Senhora da Orada
Autor: Albano Mendes de Matos (natural do Casal da Serra)
Publicação: Medicina da Beira Interior da Pré-História ao Século XX - Cadernos de Cultura, N.º 13, Novembro de 1999

José Teodoro Prata

terça-feira, 14 de maio de 2013

A água da Senhora da Orada 3

Nos anos vinte, uma rapariga do campo encontrava-se paralítica há sete anos. Todos os anos ia com a família à Senhora da Orada pedir a cura. De lá, levavam água da fonte para banhar as pernas. Já desanimados, num ano passava-se o dia da festa e não foram à Senhora. Na hora do almoço, uma filha disse à mãe:
- Comemos primeiro ou vou levar a comida à doente?
- Comemos primeiro e depois vamos fazer-lhe companhia, enquanto ela come! - respondeu a mãe.
Quando comiam, o homem disse para a mulher:
- Fizemos mal não irmos à Senhora da Orada! É que tenho cá uma fé!
Quando o pai acabou de falar, a rapariga apareceu, na cozinha, curada. O pai gritou:
- Milagre da Senhora da Orada!

Informador: Etelvina Teodoro (Casal da Fraga)
Estudo: Águas e Curas Milagrosas na Serra da Gardunha - A Fonte da Senhora da Orada
Autor: Albano Mendes de Matos (natural do Casal da Serra)
Publicação: Medicina da Beira Interior da Pré-História ao Século XX - Cadernos de Cultura, N.º 13, Novembro de 1999

José Teodoro Prata

segunda-feira, 13 de maio de 2013

A água da Senhora da Orada 2

Nos inícios do século (XX), um homem do Casal da Serra, trabalhador da Câmara de Castelo Branco, sentiu uma grande dor nos olhos. Foi para casa e quando ali chegou já via mal. Foi ao médico de São Vicente da Beira, que o mandou para o Fundão, a outro médico. A caminho do Fundão, passou pela Senhora da Orada, onde rezou, à porta da capela, para que a Senhora o curasse. Sempre acompanhado por um familiar, foi à fonte da Senhora da Orada, pôs a cabeça debaixo da bica, com a água a cair sobre a vista, durante um pedaço de tempo. A dor foi abrandando. Ao levantar a cabeça, limpou os olhos e recomeçou a ver e a dor desapareceu. Já não foi ao Fundão e contam o facto como um milagre da Nossa Senhora da Orada.

Informador: José de Matos (Casal da Serra)
Estudo: Águas e Curas Milagrosas na Serra da Gardunha - A Fonte da Senhora da Orada
Autor: Albano Mendes de Matos (natural do Casal da Serra)
Publicação: Medicina na Beira Interior da Pré-História ao Século XX - Cadernos de Cultura, N.º 13, Novembro de 1999

José Teodoro Prata

domingo, 12 de maio de 2013

A água da Senhora da Orada 1

Inicio hoje uma série de publicações que contam histórias de curas alcançadas graças à água da fonte da Senhora da Orada. A recolha foi de Albano Mendes de Matos (Casal da Serra), que a apresentou em 1998, nas Jornadas de Medicina da Beira Interior. No ano seguinte, o seu estudo foi publicado na revista Cadernos de Cultura, n.º 13, novembro de 1999.

Um rapaz de Pera do Moço, em Escalos de Cima, nos finais do século passado [século XIX], não podia comer. Ao querer engolir, engasgava-se e o caldo saía-lhe até pelo nariz. Como a Nossa Senhora da Orada tinha sido muito nomeada por aqueles sítios, a mãe levou-o num burro até à capela da Senhora, onde rezaram. O rapaz banhou-se nas águas correntes da fonte, as "águas vivas", e bebeu água, de vez em quando. Passados uns dias, o rapaz começou a comer de tudo e bem.

Informadora: Etelvina Teodoro (A ti Etelvina do Casal da Fraga)

José Teodoro Prata

sábado, 11 de maio de 2013

Sede da banda

Está quase. Qualquer dia tiram-lhe o vestido.


quarta-feira, 8 de maio de 2013

A cabeça de porco

Há umas semanas contei-vos a minha participação na arranca das semilhas, na Madeira. Hoje deixo-vos a narração da viagem para lá.

Passara um verão abrasador a remendar estradas, à manivela de uma caldeira de alcatrão a ferver. Naquela sexta-feira, dia 29 de setembro de 1979, pedi ao tio Chico Bernardino que me deixasse na Oriana, para despejar a presa do Calmão. Desci da camioneta e tinha a minha irmã Luzita à espera.
“Chegou uma carta da Madeira, tens de te apresentar na segunda-feira.”
Dei um grito do tamanho do mundo e atirei o saco da merenda o mais alto que consegui. Reguei o milho e fui para casa. Disse aos meus pais que tinha de partir no dia seguinte, na carreira da manhã. Tomei banho, ceei, preparei as coisas e ainda fui telefonar à minha namorada e despedir-me dos amigos.
Bem cedo, os meus pais deram-me o dinheiro que tinham e parti. De mala às costas, desci a quelha e depois as ruas da Vila, direito à paragem da camioneta. Em Castelo Branco, abracei a minha namorada, beijei-a e apanhei o comboio. Cheguei a Lisboa e fui ver as minhas irmãs. Depois, no aeroporto, tirei bilhete para o Funchal, com a mesma tranquilidade com que alguns portugueses, no século XVI, apanhavam a nau da carreira da Índia apenas com uma regueifa debaixo do braço, para uma viagem de seis meses.
O avião levantou voo. Vi Lisboa e depois o mar, cada vez mais fundo e escuro. A hospedeira explicava como fazer em caso de acidente e eu aflito, sem conseguir compreender tudo. Valeram-me as versões em inglês e francês, não que eu percebesse o que dizia, mas por umas tirava outras e assim esclareci as dúvidas que me tinham ficado. Ia junto à janela e olhei para fora. O mar era já um buraco negro. Se o avião caísse, ficava tudo desfeito e de nada valiam os coletes e o oxigénio. Como o que não tem remédio remediado está, recostei-me no assento e descansei.
O meu lugar ficava no fundo da fila de bancos, um espaço aberto, apenas com dois bancos, um de frente e outro de costas para a janela. No outro lugar sentava-se uma senhora meio velhota, cheia de sacos de plástico pelo chão. Contou-me que ia ver o filho, mecânico, a viver no Funchal. Eu também lhe disse ao que ia. Ofereci-me para a ajudar com os sacos, pois só tinha um, além da mala no porão. Ela agradeceu, mal podia com eles. No mais pesado levava uma cabeça de porco, para comer com o filho.
À chegada, era noite cerrada e o meu coração inquietou-se. No desconhecido, ainda vá lá, mas de noite… Apanharia um táxi para o Funchal e ele me arranjaria um hotel.
Aterrámos. Peguei nos sacos da senhora que no sítio das malas me apresentou o filho, a quem contou a minha ajuda com a cabeça de porco. Fez questão que ele me desse boleia para o Funchal e o meu coração, tão apertadinho, ficou um pouco maior.
Seguimos por uma estrada estreita e sinuosa. O filho tinha um bigode bem mais farto do que o meu e cabelo negro encaracolado. Era baixo e um pouco entroncado. Quis saber de onde era, eu próximo de Castelo Branco e ele o mesmo de Coimbra. No Funchal, não me largou sem ter onde ficar. Mas os hotéis estavam todos cheios e andámos mais de meia hora às voltas. Com pena dele, já me arrependia de ter aceite a boleia. Finalmente encontrou um hotel com vaga, caro, mas era o que havia.
Chamava-se EL GRECO. Dormi inquieto, acordei bem cedo e saí à procura do lugar de onde partiam as camionetas para a Serra d´Água. Estavam ali bem perto, junto ao mar, mas chamavam-se horários. A partida não tardou. Andei toda a manhã num sobe e desce, espantado com o condutor que parecia bêbado, no falar e nas maneiras, mas conduzia o autocarro com uma perícia que nunca antes vira.
As encostas eram verdes do mar aos cumes. Junto à água cresciam bananeiras, a meio da encosta havia canas-de-açúcar, mais acima as vinhas e no alto matagais. As casas salpicavam a paisagem e por elas parávamos constantemente. Não existiam ruas, apenas veredas de subir e descer ladeadas de vegetação.
Chegámos à Ribeira Brava e parámos quinze minutos: cargas, descargas, copos e partida. Alguns rapazes vieram à porta da taberna gritar ao motorista, voltaram para empinar o último copo e entraram com o horário já em movimento. A meio da Serra d´Água tive ordem de descida. Perguntei se era ali o Lombo do Moleiro, mas o lugar chamava-se Pomar e mandaram-me seguir a estrada até ao fundo do vale.
O sítio era o paraíso. A aldeia situava-se num beco sem saída, com encostas a pique em toda a volta, menos por onde eu entrara. No alto, havia um penhasco enorme, onde constantemente nascia um rio de nevoeiro que se derramava pela encosta e se sumia no manto verde. Passei a tarde a arranjar casa, aflito sem ter onde pernoitar. Aceitei o que me apareceu e, no dia seguinte, 1 de Outubro, segunda-feira, às 8 horas da manhã, estava à frente de trinta e seis crianças pequeninas. Chegara ao meu futuro.
Lombo do Moleiro, na Serra d´Água, Madeira. 
Na época, a povoação ficava num beco, mas hoje passa por lá a estrada que liga a Ribeira Brava a São Vicente (vertente sul e vertente norte), por um túnel que começa onde se veem as últimas casas.
A ribeira foi uma das que provocou as destruições e mortes de há anos. Um dia não parava de chover e ela começou a engrossar. Então as mães dos alunos foram à escola buscar os filhos, com medo que a ribeira transbordasse (a escola situava-se mesmo ao lado). Na altura achei um exagero, só aquando das últimas cheias é que compreendi.

domingo, 5 de maio de 2013

Mãe


Mãe

Há tantos anos,
Mãe!

Por que nunca te cansaste de mim,
Apesar das imensas inquietações que te causei?
Por que me foste sempre tão fiel,
Com todos os desassossegos que te infligi?

Às vezes repreendias-me e gritavas comigo,
Porque eu não sabia usar, convenientemente, a razão.
Crianças!
Obrigado, pelas tuas correções.
Tu só me querias bem,
Mãe!

Sei o quanto me agasalhavas, se estava frio,
E me apertavas contra ti para me aquecer!

Se eu caía e me feria nas pedras da calçada,
Logo te afligias, assustada,
E corrias a buscar a tintura ou o mercurocromo,
Para me curar o axe,
Enquanto eu me debatia, para me libertar de ti!

‘Está quieto’, dizias!

Vês? Era a minha inconsciência,
Contra a qual tu procuravas proteger-me,
Mãe!

Fazias-me as papas de carolo,
Batias-me as gemadas de ovo com açúcar,
E adormecias-me, como só tu sabias, com um pequeno conto.

Olho a tua pele enrugada dos anos passados,
As mãos encarquilhadas e consumidas pelos trabalhos que te dei.
Fizeste tudo por amor!

Por isso eu te amo,
Mãe! 

A. dos Santos

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Dia da Mãe

Para todas as Mães e para todos os filhos, mesmo para aqueles cujas mães já partiram (Carlos Drummond de Andrade, no poema Para Sempre, decreta que “Mãe é eternidade… Mãe não morre nunca…”) deixo dois poemas que, de forma realista, falam deste amor, nem sempre feliz, entre mães e filhos.
O primeiro, de Eugénio de Andrade, tem-me ajudado a lidar com os sentimentos contraditórios que o “ganhar asas” dos meus filhos por vezes me criam na alma. O segundo, de António Salvado, penso que resume bem os sentimentos de muitos de nós quando, já tarde, nos damos conta das coisas erradas que fizemos e, sobretudo, das muitas que ficaram por fazer na relação com as nossas Mães. São estas que tantas vezes nos fazem desejar poder voltar atrás. Ressuscitar, como diz Salvado…
Feliz Dia da Mãe!
M. L. Ferreira

Poema à Mãe
No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
          Era uma vez uma princesa
          no meio de um laranjal...

Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

Eugénio de Andrade, in "Os Amantes Sem Dinheiro"

É Noite, Mãe
As folhas já começam a cobrir
o bosque, mãe, do teu outono puro...
São tantas as palavras deste amor
que presas os meus lábios retiveram
pra colocar na tua face, mãe!...

Continuamente o bosque se define
em lividez de pântanos agora,
e aviva sempre mais as desprendidas
folhas que tornam minha dor maior.
No chão do sangue que me deste, humilde
e triste, as beijo. Um dia pra contigo
terei sido cruel: a minha boca,
em cada latejar do vento pelos ramos,
procura, seca, o teu perdão imenso...

É noite, mãe: aguardo, olhos fechados,
que uma qualquer manhã me ressuscite!...

António Salvado, in "Difícil Passagem"

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Dia do trabalhador

Metamorfoses
Viriato Soromenho Marques (Diário de Notícias)
Que o 1.º de Maio português continue a oferecer o triste espetáculo de duas centrais sindicais separadas nas suas comemorações é apenas mais uma prova de que o capitalismo continua a ser, com a sua extraordinária capacidade de metamorfose, o grande sujeito da história mundial. O movimento sindical segue no cortejo dos distraídos. Nos últimos trinta anos, a paisagem económica mudou. E, com o atraso habitual, mudaram os ingredientes sociais e a arquitetura política. Muita gente, entre os quais se conta uma multidão inumerável de pequenos e médios empresários, e, certamente, quase todos os dirigentes sindicais europeus, ainda julga que capitalismo e economia de mercado são a mesma coisa. Julgam que a impossibilidade de obterem crédito é uma coisa passageira. Consideram que a atual austeridade é da ordem da conjuntura. Esquecem que o sistema financeiro que não empresta é o mesmo que já custou 4 500 000 000 000 de euros aos contribuintes europeus, não contando com as operações de engenharia do tipo das swap, que acabam sempre no défice público. Os indicadores que nos chegam dos EUA, da Europa e do resto do mundo, incluindo a China, mostram que o capitalismo de hoje deslocou a sua imaginação da esfera da produção de riqueza, onde se revela cada vez mais incompetente e relapso de imaginação, para se concentrar com afã na redistribuição de riqueza disponível, concentrando-a nas mãos de uma superminoria, à custa do empobrecimento das classes médias e da fragilização do trabalho. Os sindicalistas modernos parece que já não leem Marx, mas os super-ricos, esses, continuam a ser praticantes fervorosos da religião da luta de classes.


José Teodoro Prata